Como e por que as pessoas sobrevivem a um desastre?
Certo dia, esperava ansioso a minha vez na fila de um supermercado quando, de relance, observei a capa de uma revista com o título bem chamativo para um bombeiro: "Como sobreviver a um desastre." Comprei-a e, a partir daí, passei a desfrutar de um tema muito interessante e de uma lógica que a maioria das pessoas não se debruça e, erroneamente, não dá a mínima relevância. Costumeiramente, as pessoas falam que tanto saúde quanto o bem-estar são prioridades de suas vidas. Mas, às vezes, não enxergam possibilidades que, estatisticamente, estão cada vez mais frequentes. Falo da possibilidade de sermos vítimas de desastres, sejam eles naturais ou provocados pelo homem. Amanda Ripley é a autora da obra Impensável, que trata, justamente, da conjuntura psicológica dos sobreviventes de desastres. A discussão é, no mínimo, intrigante e leva à reflexão sobre como se processa a seleção entre os sobreviventes e as vítimas de um desastre.
Amanda Ripley estava em Nova York em 2001, no dia dos atentados que mataram 3 mil pessoas no World Trade Center. Jornalista da revista Time, tão logo soube que aviões comerciais haviam se chocado contra os maiores edifícios da cidade, ela correu ao local e presenciou o desabamento das torres gêmeas. Em 2005, estava em Nova Orleans quando o Furacão Katrina matou 2 mil pessoas. Depois de testemunhar as tragédias, a repórter foi investigar se havia traços comuns no comportamento dos sobreviventes. Entrevistou centenas de pessoas e descobriu algumas diferenças de atitude que podem aumentar as chances de qualquer um se salvar. O resultado está no livro Impensável – Como e Por Que as Pessoas Sobrevivem a Desastres (lançado no Brasil pela Editora Globo, do mesmo grupo que publica ÉPOCA). Sinta o gostinho do livro, lendo a entrevista abaixo:
– O que mais a marcou nos ataques de 11 de setembro?
Amanda Ripley – Levei dias para tomar consciência da escala da tragédia. Alguns anos depois, li um estudo sobre as reações das pessoas no atentado. Fiquei fascinada. Comecei a procurar alguns dos 15 mil sobreviventes. Tinham histórias extraordinárias sobre os que morreram. Em geral, eles mantiveram a calma, eram gentis uns com os outros, buscavam informações sobre o que acontecia e reuniam seus pertences para sair. Por que não largaram tudo e fugiram? Fui pesquisar o comportamento dos sobreviventes em outras tragédias.
– Em 2005, você estava em Nova Orleans, no Katrina. Daí surgiu o livro?
Ripley – Queria escrever uma reportagem para a revista Time (publicada em 9 de junho) sobre o que se pode aprender com a atitude dos sobreviventes em desastres. No Katrina, ficou claro que, numa catástrofe como aquela, os atingidos dependem de si mesmos para se salvar, pois ficarão isolados por dias até a chegada do socorro. Nunca haverá médicos, bombeiros e policiais suficientes para ajudar.
– Há um comportamento comum entre os sobreviventes?
Ripley – No Trade Center, muitos teriam sobrevivido se soubessem onde ficavam as escadas de incêndio. Metade não sabia. É absurdo. As torres tinham sido alvo de um atentado da rede Al Qaeda em 1993, quando um carro-bomba explodiu na garagem e a evacuação dos prédios demorou demais.
– A experiência ajudou em 2001?
Ripley – Era de esperar que qualquer um nas torres gêmeas soubesse sair de lá o mais rápido possível. Não foi assim. As pessoas não têm motivação para aprender a agir numa emergência antes que algo sério aconteça. Não fazem ideia – e ninguém lhes disse – de como é difícil decidir sob estresse. Elas não têm culpa. As previsões dos engenheiros que projetam arranha-céus sobre o comportamento dos ocupantes estão erradas.
– Dá para comparar o Trade Center ao Titanic, que afundou em 1912?
Ripley – No Titanic, havia salva-vidas para metade dos ocupantes. Seus armadores consideravam o navio “inafundável”, o que matou 1.500 pessoas. No Trade Center, quem participou de simulações de incêndio saiu rápido. Mas a maioria dos ocupantes nunca tinha feito isso. Em geral, tendemos a assumir que nada de mau nos ocorrerá e, se acontecer, ou sobreviveremos ou morreremos. A culpa é do governo. Até hoje, não existe em Nova York uma lei que obrigue um edifício a fazer simulações de incêndio.
– Quais eram as chances de sobrevivência no Trade Center?
Ripley – Elas dependiam do local em que se estava dentro das torres e de quando se começou a fugir. O fator mais subestimado daquele dia foi que, no período do choque dos aviões, entre 8h45 e 9 horas, os edifícios estavam ocupados pela metade. Se os ataques tivessem ocorrido com os prédios lotados, 14 mil teriam morrido.
– Numa tragédia, o que mais conta para se salvar, a experiência ou a sorte?
Ripley – Se tivesse de escolher, ficaria com a experiência. Na hora em que somos postos à prova, podemos superar os obstáculos com treinamento e informação. A atitude também é importante. Há evidências de que quem acha que conseguirá superar os obstáculos antes de ser posto à prova em geral consegue. O livro trata disso: vamos pensar o impensável e elevar nossas chances de sobrevivência. Tendemos a superestimar os papéis da sorte, do governo e do destino, no lugar do nosso próprio. Um exemplo: quem lê o cartão com as instruções de emergência tem mais chances de sobreviver a um desastre aéreo do que quem não lê.
– Qual é a visão de ciência?
Ripley – Numa emergência, a emoção passa a controlar a razão. Quando se tem medo, a parte mais primitiva do cérebro, aquela instintiva, toma conta das ações, tornando difícil a tomada de decisões. O cérebro se recusa a ser persuadido pela razão. O medo limita nossa visão ao que está à frente e nos impulsiona a lutar ou fugir. Para quem possui uma experiência anterior que lembre o momento que está enfrentando, as funções cerebrais superiores, que comandam a razão, reduzem o medo e reassumem o controle das ações. Policiais e militares sabem que, além de olhar o perigo à frente, é importante manter uma visão periférica. A saída pode estar ao lado, e não à frente.
– Quais fases atravessamos entre constatar o perigo e atingir a segurança?
Ripley – Em todos os desastres, há um padrão que se traduz em três fases. A primeira é a negação. O cérebro se mostra muito criativo. Busca explicações para o que está acontecendo, mesmo diante de fumaça e fogo. A tendência é pensar que nada está ocorrendo. É uma reação normal. O cérebro trabalha identificando padrões entre tudo o que vivemos. Uma mulher que sobreviveu ao Trade Center me disse que não queria fugir, mesmo sabendo que um jato havia batido no prédio. Todos gritavam a sua volta, e ela andava em círculos procurava sua bolsa, um romance policial.
– Quais são as outras duas fases?
Ripley – A segunda é a deliberação. As pessoas se tornam mais sociais num desastre e se voltam para os outros em busca de conselho. É um comportamento saudável, mas que toma um tempo precioso. A última fase é o momento decisivo, quando finalmente se começa a agir. Quando digo agir, não quero dizer tomar uma decisão e fugir. Em alguns casos, a decisão é não fazer nada e ficar onde está, entrando numa espécie de paralisia. Num prédio em chamas, não é a coisa sensata a escolher.
– Um executivo no 11 de setembro mandou os empregados voltar ao trabalho. Quem ficou morreu.
Ripley – Há histórias de chefes que mandaram todos os seus funcionários voltar a suas mesas e de outros que diziam para todos fugirem. Em todos os desastres, percebe-se que a hierarquia é inflexível. É importante os executivos saberem disso, pois seus empregados vão procurá-los em busca de orientação.
– Os militares estudam as reações ao medo para ampliar as chances de sobrevivência em batalha?
Ripley – Sim. Os militares fazem treinamentos os mais realistas possíveis. O mesmo acontece entre os praticantes de artes marciais. Eles repetem os mesmos golpes e contragolpes milhares de vezes. Tudo para, quando for necessário, o lutador não pensar, apenas reagir. Um dos sobreviventes, que estava num andar bem alto do Trade Center, me disse exatamente isso: “A única coisa que eu pensava é que não devia pensar em nada, apenas agir”.
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Como e por que as pessoas sobrevivem a um desastre?
Amanda Ripley – Levei dias para tomar consciência da escala da tragédia. Alguns anos depois, li um estudo sobre as reações das pessoas no atentado. Fiquei fascinada. Comecei a procurar alguns dos 15 mil sobreviventes. Tinham histórias extraordinárias sobre os que morreram. Em geral, eles mantiveram a calma, eram gentis uns com os outros, buscavam informações sobre o que acontecia e reuniam seus pertences para sair. Por que não largaram tudo e fugiram? Fui pesquisar o comportamento dos sobreviventes em outras tragédias.
Ripley – Queria escrever uma reportagem para a revista Time (publicada em 9 de junho) sobre o que se pode aprender com a atitude dos sobreviventes em desastres. No Katrina, ficou claro que, numa catástrofe como aquela, os atingidos dependem de si mesmos para se salvar, pois ficarão isolados por dias até a chegada do socorro. Nunca haverá médicos, bombeiros e policiais suficientes para ajudar.
Ripley – No Trade Center, muitos teriam sobrevivido se soubessem onde ficavam as escadas de incêndio. Metade não sabia. É absurdo. As torres tinham sido alvo de um atentado da rede Al Qaeda em 1993, quando um carro-bomba explodiu na garagem e a evacuação dos prédios demorou demais.
Ripley – Era de esperar que qualquer um nas torres gêmeas soubesse sair de lá o mais rápido possível. Não foi assim. As pessoas não têm motivação para aprender a agir numa emergência antes que algo sério aconteça. Não fazem ideia – e ninguém lhes disse – de como é difícil decidir sob estresse. Elas não têm culpa. As previsões dos engenheiros que projetam arranha-céus sobre o comportamento dos ocupantes estão erradas.
Ripley – No Titanic, havia salva-vidas para metade dos ocupantes. Seus armadores consideravam o navio “inafundável”, o que matou 1.500 pessoas. No Trade Center, quem participou de simulações de incêndio saiu rápido. Mas a maioria dos ocupantes nunca tinha feito isso. Em geral, tendemos a assumir que nada de mau nos ocorrerá e, se acontecer, ou sobreviveremos ou morreremos. A culpa é do governo. Até hoje, não existe em Nova York uma lei que obrigue um edifício a fazer simulações de incêndio.
Ripley – Elas dependiam do local em que se estava dentro das torres e de quando se começou a fugir. O fator mais subestimado daquele dia foi que, no período do choque dos aviões, entre 8h45 e 9 horas, os edifícios estavam ocupados pela metade. Se os ataques tivessem ocorrido com os prédios lotados, 14 mil teriam morrido.
Ripley – Se tivesse de escolher, ficaria com a experiência. Na hora em que somos postos à prova, podemos superar os obstáculos com treinamento e informação. A atitude também é importante. Há evidências de que quem acha que conseguirá superar os obstáculos antes de ser posto à prova em geral consegue. O livro trata disso: vamos pensar o impensável e elevar nossas chances de sobrevivência. Tendemos a superestimar os papéis da sorte, do governo e do destino, no lugar do nosso próprio. Um exemplo: quem lê o cartão com as instruções de emergência tem mais chances de sobreviver a um desastre aéreo do que quem não lê.
Ripley – Numa emergência, a emoção passa a controlar a razão. Quando se tem medo, a parte mais primitiva do cérebro, aquela instintiva, toma conta das ações, tornando difícil a tomada de decisões. O cérebro se recusa a ser persuadido pela razão. O medo limita nossa visão ao que está à frente e nos impulsiona a lutar ou fugir. Para quem possui uma experiência anterior que lembre o momento que está enfrentando, as funções cerebrais superiores, que comandam a razão, reduzem o medo e reassumem o controle das ações. Policiais e militares sabem que, além de olhar o perigo à frente, é importante manter uma visão periférica. A saída pode estar ao lado, e não à frente.
Ripley – Em todos os desastres, há um padrão que se traduz em três fases. A primeira é a negação. O cérebro se mostra muito criativo. Busca explicações para o que está acontecendo, mesmo diante de fumaça e fogo. A tendência é pensar que nada está ocorrendo. É uma reação normal. O cérebro trabalha identificando padrões entre tudo o que vivemos. Uma mulher que sobreviveu ao Trade Center me disse que não queria fugir, mesmo sabendo que um jato havia batido no prédio. Todos gritavam a sua volta, e ela andava em círculos procurava sua bolsa, um romance policial.
Ripley – A segunda é a deliberação. As pessoas se tornam mais sociais num desastre e se voltam para os outros em busca de conselho. É um comportamento saudável, mas que toma um tempo precioso. A última fase é o momento decisivo, quando finalmente se começa a agir. Quando digo agir, não quero dizer tomar uma decisão e fugir. Em alguns casos, a decisão é não fazer nada e ficar onde está, entrando numa espécie de paralisia. Num prédio em chamas, não é a coisa sensata a escolher.
Ripley – Há histórias de chefes que mandaram todos os seus funcionários voltar a suas mesas e de outros que diziam para todos fugirem. Em todos os desastres, percebe-se que a hierarquia é inflexível. É importante os executivos saberem disso, pois seus empregados vão procurá-los em busca de orientação.
Ripley – Sim. Os militares fazem treinamentos os mais realistas possíveis. O mesmo acontece entre os praticantes de artes marciais. Eles repetem os mesmos golpes e contragolpes milhares de vezes. Tudo para, quando for necessário, o lutador não pensar, apenas reagir. Um dos sobreviventes, que estava num andar bem alto do Trade Center, me disse exatamente isso: “A única coisa que eu pensava é que não devia pensar em nada, apenas agir”.
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